Entenda mais sobre Conservação e Restauro nesse artigo. A cidade de Juiz de Fora tem cerca de 190 imóveis tombados. Contudo, vocês sabem o que isso significa e para que serve, afinal, um imóvel ser tombado? 

Tombamento significa um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o objetivo de preservar, por meio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental, bem como de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados, transformando-os em patrimônio oficial público e preservando-os, assim, não só para a sociedade atual, mas também para as futuras gerações.

O Decreto-Lei n° 25, de 1937, define o conceito de patrimônio:

Art. 1º – Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

Andando pela cidade, você será agraciado por diversos desses imóveis, alguns bem preservados, muitos nem tanto. Só na Rua Halfeld encontramos o Cine-Theatro Central, o Cine Palace, o Cine São Luiz, a Câmara Municipal, o Edifício Pinho, o próprio Parque Halfeld, a Galeria Pio X, painéis do Alfredo Mucci e mais de uma dezena de outros imóveis. Notoriamente belíssimas, as obras, em sua maioria, são de um importante italiano que era residente na cidade e que todos conhecem bem. Sim, estamos falando de ninguém menos que o Sr. Pantaleone Arcuri.

Em 1895, os imigrantes italianos Pantaleone Arcuri e Pedro Timponi fundaram a empresa de construção civil de nome Pantaleone Arcuri e Timponi. Porém, em 1898, Timponi desligou-se da empresa, tomando o seu lugar o Sr. Antonio Spinelli, que logo começou a fazer parte da sociedade. Inicialmente o escritório ficava na esquina da Rua Santa Rita com a Avenida Getúlio Vargas (antiga Rua do Imperador). Vale lembrar que o Sr. Pantaleone Arcuri, quando cá chegou, era apenas um pedreiro, porém com ganas de empreender. E, em pouco tempo, sua fábrica produzia toda sorte de materiais, desde pisos hidráulicos, janelas, portas, banheiras e vasos decorativos até a então moderna telha de amianto.

Raphael Arcuri (filho mais velho de Pantaleone) estudou arquitetura na Itália em 1908 e, em 1911, retornou a Juiz de Fora como projetista da empresa do pai. Não chegou a cursar a Escola de Belas Artes, mas aprendeu o ofício no escritório de arquitetura de Giovanni De Fazio, em Nápoles, e foi responsável por diversos projetos na cidade, onde utilizou mais de um estilo arquitetônico, por exemplo, Neogótico na fachada da Capela Senhor dos Passos, que pertence à Santa Casa, Art Nouveau com a belíssima Villa Iracema (restaurada por mim recentemente) e Art Déco na Casa d’Itália, um dos seus últimos projetos. 

Antes e depois do restauro de um dos vasos da Villa Iracema / Foto: Flávia Duque-Estrada 

Em 1923, Raphael ficou responsável pelo projeto da nova sede da empresa do pai, que se chamaria Companhia Industrial e Constructora Pantaleone Arcuri & Spinelli, efetivamente inaugurada em 21 de outubro de 1926 e localizada na parte baixa da Rua Espírito Santo. Já a construção da Casa d’Itália se iniciou em 1936 e sua inauguração ocorreu em 1939. Inicialmente, o projeto da Casa d’Itália ficaria a cargo do arquiteto italiano Clemente Busiri-Vici, enviado pelo governo italiano ao Brasil e que chegou a visitar o terreno na Avenida Rio Branco. Entretanto, por fim, devido aos altos custos que acarretaria, o projeto também ficou a cargo de Raphael Arcuri.

conservação e restauro

Vale ressaltar a importância do Comendador Pantaleone Arcuri, que foi um dos maiores contribuintes para a construção da Casa d’Itália de Juiz de Fora, doando, além do projeto, todo o material de construção que, junto ao seu filho e sua companhia, tornaria real o sonho dos italianos na maior cidade industrial de Minas Gerais.

Fiz aqui um breve resumo da trajetória de um homem que veio de outro país, um imigrante calabrês que não era abastado, mas que prosperou muito em Juiz de Fora, tornando-se um empresário da construção civil e um dos mais importantes industriais da cidade. Podemos dizer que ele nos deixou grandes obras, não é mesmo? Obras essas que fazem parte da história desta cidade que já foi a “Manchester mineira”. A história nos mantém vivos, nos lembra de onde viemos e nos ajuda a chegar onde desejamos. 

Apreciamos olhar aquelas fotos antigas de nossos familiares que já se foram, de um momento maravilhoso que passamos ou de um local que visitamos, pois são nossas recordações, nossos valores afetivos. Da mesma maneira como essas recordações nos são caras a ponto de as guardarmos para toda a vida, podemos também enxergar essas construções antigas, memoráveis, esses belíssimos exemplares arquitetônicos, cada qual com seu estilo, e, assim, com eles, resguardar nosso passado no presente e para apreciação futura.

Em maio de 1964, na cidade de Veneza, tivemos o II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos, durante o qual foi escrita a Carta de Veneza, que nada mais é que uma carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. Nesse congresso, foi aprovado um texto com dezesseis artigos muito interessantes e que valem a leitura. Não irei citá-los todos aqui, mas selecionei um artigo relacionado à conservação e outro à restauração, a seguir:

Artigo 6° – A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão PROIBIDAS.

(…)

Artigo 9° – A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das reconstituições conjeturais, todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo. A restauração será sempre precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do monumento.

Outrossim, compreendemos a importância da preservação (infelizmente tão pouco utilizada no Brasil) e da restauração. Claramente observo que muitos proprietários desconhecem como essa conservação e restauração devem ser realizadas, considerando apenas seu custo, tomando-o por mais elevado. Todavia, lembrem-se: conservar é muito mais barato do que deixar cair em ruínas para depois restaurar. E, mesmo nesse caso, é preciso lembrar, ainda, que existem leis de incentivo e diversas outras maneiras de captar recursos para esses fins. É importante que se procure o profissional dessa área, no caso, um conservador-restaurador, não só para executar a obra, mas também para realização do projeto e para orientar em relação à captação de recursos, pois ele detém essa expertise.

“A finalidade da arte é lavar a poeira da vida quotidiana das nossas almas.”  Pablo Picasso.

“Arquitetura deve falar de seu tempo e lugar, porém anseia por intemporalidade” Frank Gehry.

“Se queres prever o futuro, estuda o passado”  Confúcio.

Flavia Duque Estrada

Conservadora-restauradora há 20 anos, bacharel em pintura pela UFRJ e com pós graduação em licenciatura em Artes. Trabalhou em diversas obras de restauro, em sua grande maioria na cidade do Rio de Janeiro, dentre elas o majestoso Theatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, Arquivo Nacional, Edifício Capanema. Em Juiz de Fora, restaurou a belíssima Villa Iracema. Ministra cursos relacionados ao restauro. Uma apaixonada pelo patrimônio, arte e historia.

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